quarta-feira, 28 de abril de 2010

A questão colonial

Quando a ONU reconhece o direito à autodeterminação e à independência dos povos submetidos à colonização e quando as grandes potências coloniais iniciam o processo de negociação de independência das suas possessões coloniais, Portugal evidencia sérias dificuldades em manter a política colonial, consequente da publicação do Acto Colonial.
A "mística imperial" mostrava-se ultrapassada na explicação da política colonial do Estado Novo. António de Oliveira Salazar  tinha de encontrar novas soluções para poder afirmar a vocação colonial portuguesa, recusando eventual cedência às crescentes pressões internacionais.
A grande solução encontrada foi a tese do luso-tropicalismo. Gilberto Freire, seu autor, defendia que a população portuguesa demonstrava uma surpreendente capacidade de adaptação às regiões tropicais. Nelas, dada a ausência de convicções racistas, os portugueses entregavam-se à miscigenação e à fusão de culturas. 
Esta tese passa a justificar a vocação colonial de Portugal. De acordo com a qual, a presença portuguesa em África tinha características singulares, não podendo exclusivamente ser considerado um colonialismo com interesses económicos, tal como a presença das maiores potências europeias. Em última instância, confirmava a ideia que estava também presente no Acto Colonial, um dos grandes alicerces do Estado Novo.
A presença portuguesa em África era, consequente e essencialmente, uma manifestação da extensão a outros continentes, da histórica missão civilizadora de Portugal. 
Dado que esta tese apenas justificava teoricamente o colonialismo, era preciso clarificar juridicamente as relações da metrópole com os respectivos espaços coloniais.
Assim sendo, Salazar revoga o Acto colonial, aquando da revisão constitucional de 1951 - quando já tinha iniciado a descolonização internacional. Como tal, insere o estatuto colonial, pelo Acto Colonial abrangido, na Constituição. A globalidade do território português estava abrangido por igual lei fundamental.
Logo, o conceito colónia  é substituído pelo de província, assim como o de Império Português é ultrapassado pelo de Ultramar Português.
A Constituição apresenta assim os espaços ultramarinos enquanto legítimas extensões do território continental. O Estado Novo era, por conseguinte, um Estado quer pluricontinental - abarcava dois continentes - e multirracial - as populações tinham duas raças, a caucasiana e a negra.
Institucionalmente, Portugal já não tinha colónias. A contestação internacional não seria lógica, considerando que, ao invés de colónias, tinha províncias. Era com base neste argumento que a diplomacia portuguesa não prestava quaisquer informações acerca destes territórios. A situação foi particularmente sentida a partir do momento em que Portugal se torna num estado-Mmembro da ONU.
Após a eclosão das primeiras revoltas em Angola e da invasão de Goa, Damão e Diu, pelos exércitos da União Indiana, evidenciam-se algumas divergências quanto às posições a tomar no Ultramar
Os sectores mais conservadores defendiam a integração plena e incondicional das províncias ultramarinas no Estado português. Logo, verificava-se uma resistência armada à luta, encarada como terrorista, entretanto iniciada pelos movimentos independentistas.
Antagonicamente, a oposição, os altos quadros da hierarquia militar, assim como alguns dos membros do Governo previam as dificuldades humanas e materiais em manter uma guerra com três frentes. Assim, propunham que fosse gradualmente concedida a autonomia, que, independentemente, resultaria na constituição de uma formação de Estados, tal como o que ia sendo tentado pelas grandes potências coloniais. Era a tese federalista e os seus defensores pediram inclusive ao Presidente da República, Américo Tomás, que destituísse o actual Presidente do Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar.
A tese de Salazar saía reforçada, ordenando ao exército português que avançasse para Angola rapidamente e em força.
A guerra da libertação iniciou no Norte de Angola, em Fevereiro de 1961, depois das primeiras investidas contra a presença portuguesa, canalizadas pela UPA/FNLA (União das Populações do Norte de Angola e, mais tarde, Frente Nacional de Libertação de Angola). A rebelião ganha outra força militar com a entrada dioMPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), apoiado pela URSS. A partir de 1966, os combates alargam-se à totalidade do território angolano, com o aparecimento do UNITAC (União Nacional para a ndepend~encia Total de Angola).
Na Guiné, em 1963, inicia a luta anticolonialista, na acção do PAIGG (Partido Africano para a Libertação de Guiné e Cabo Verde). Constata-se que a guerrilha alcança a total libertação de importantes territórios com a proclamação unilateral da independência já no ano de 1973.
Em Setembro de 1964, a guerrilha alarga-se a Moçambique, com a acção da FRELIMO (Frente da Libertação de Moçambique).
As três frentes de batalha foram suportadas por 40% do orçamento de Estado. Resultaram em 8 000 mortos e em 100 000 mutilados, resultando numa forte diminuição da população activa, trazendo ainda mais consequências nefastas para a economia portuguesa. Mesmo que surpreendesse a comunidade internacional, a intensificação das suas pressões e o isolamento a que o país era votado iriam inevitabilizar a ced~encia mediante o processo descolonizador.
Em 1955, com a entrada de Portugal nas Nações Unidas, o Governo Fascista português continuava a ser favorável a uma política de reforço da autoridade portuguesa nos espaços ultramarinos. Salazar recusava totalmente qualquer negociação que viesse a questionar tal autoridade. Não seriam feitas quaisquer cedências à crescente pressão internacional.
Consequentemente, a ONU, sob fortes pressões dos países do Terceiro Mundo, começa a abordar a questão do colonialismo português. A questão torna-se ainda mais relevante quando Portugal tem a habilidade de denominar as colónias de províncias ultramarinas, para não ter que se submeter à Carta das Nações Unidas.
A ONU rejeitou a tese plurirracial e pluricontinental, que não era totalmente comprovada com o exercício efectivo da cidadania nacional pelas comunidades indígenas, e condenou consecutivamente a atitude colonialista portuguesa. Sendo assim, aprovou sucessivas resoluções que tinham em vista pressionar Portugal à dar início real à descolonização.
A condenação internacional atingiu o seu apogeu com a aprovação da Resolução 1514, que confirmava as possessões portuguesas plenamente inseridas no conceito de colónia definido na Carta da ONU.
Salazar via-se obrigado a considerar as aspirações políticas das populações locais e a estimular o desenvolvimento das suas instituições, para reconhecer a respectiva autodeterminação e independência. Por continuar a manter a posição de considerar que o assunto não dizia respeito a Portugal e dado que considerava que as crenças da ONU relativamente às províncias ultramarinas formavam ingerência nos assuntos internos do Estado, a delegação portuguesa absteve-se. Assim, os movimentos independentistas ficam legitimados, pela comunidade internacional, para recorreram ao material bélico.
Houve, desta forma, uma intensificação das pressões internacionais, incluindo os EUA e o consequente isolamento de Portugal nas várias instituições internacionais, que Salazar aceita, respondendo com a política do orgulhosamente sós.

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