quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Os anos 20

Ocorrem mutações sócio-comportamentais no início do séc. XX, sobretudo nos anos 20: a vida urbana transforma-se, as sociedades tradicionais desagregam-se, o trabalho desumaniza-se, verificam-se inéditos comportamentos e conceitos da vida familiar. Tudo viria a culminar numa forte crise de valores do ocidente.
Em primeiro lugar, observou-se uma crescente concentração industrial, comercial, no espaço urbano, que tornou esse espaço num foco de atracção das populações rurais, dado que tal concentração era devida a um aumento da oferta de emprego - as indústrias intensificam a sua localização nas cidades. É importante mencionar que o campesinato da civilização ocidental era alvo de condições significativamente precárias. Desta maneira, a população rural estava à procura de uma melhoria de condições de vida.
Tal afluência aos centros urbanos transformou radicalmente as cidades para autênticos núcleos gigantescos, que podiam atingir dezenas de km2 de extensão, albergando milhões de pessoas. Estas cidades levariam ao nascimento de grandes metrópoles. Ocasionalmente, estas metrópoles podiam engolir centros ubranos limítrofes, transformando tais metrópoles em megalópoles, que eram centros populacionais, que colocavam cada vez em maior evidência, características da modernidade.
As sociedades queriam deixar para trás a tão preniciosa estagnação sócio-comportamental. As pessoas queriam evoluir! Desejavam trabalhar perto das máquinas, junto da velocidade (ver documento da "Ode Triunfal" - o leitor poderá constatar que, pelo verso 5, "Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno", há um carinho pela maquinaria, que dentro deste contexto é sinónimo de mudança, de evolução).
Por conseguinte, é notável uma ruptue com os padrões de vida tradicionais, pela crescente sociabilidade urbana. Estávamos perante uma sociedade tão incrivelmente desenraizada, graças a que as grandes metrópoles, tal como as megalópoles, eram habitadas por indivíduos que tinham abandonado os respectivos núcleos familiares e que perderam as suas raízes familiares. Surgem dispersos em mundos que lhes eram desconhecidos, nos quais se submetiam a novos ritmos de trabalho e de vida. Estas pessoas, particularmente o operariado, aproveitava todos os minutos livres - evidenciando uma extrema racionalização do quotidiano. Assim, é possível constatar que o mundo urbano desproporcionava o enraizamento das populações, devido ao anonimato e à precariedade dos vínculos laborais subjacentes às novas metrópoles.
Logo, as solidariedades tradicionais desagregam-se e há uma enorme dificuldade em construir relacionamentos sólidos. As novas relações são caracterizadas pelo forte anonimato, encarado como gerador de desconfiança constante, e pela superficialidade e solidariedades. carácter abstracto. A própria organização do trabalho - em que a linha de montagem do taylorismo constituída a melhor imagem - propicia essa dificuldade de constituição de novas solidariedades. Note-se que o patrão capitalista fomenta o individualismo e o anonimato entre os seus trabalhadores, porque estava ciente do "perigo" que constituía, para os seus interesses, o associativismo operário.
Perante tais dificuldades, evidencia-se a desumanização do trabalho. O trabalho em série, a estandardização e a produção massificada tendem a vincular gradualmente o operário ao processo produtivo, subordinando-o a normas padronziadas, tal como a práticas desumanizadas. A materialização da vida humana (isto é, cada operário significava uma "coisa", algo que, em conjunto, aumentava a produtividade e, por conseguinte, a rentabilidade do patrão a que ele estava subordinado) é uma conjuntura que propiciava a sua exponenciação. Era frequente observar o patrão capitalista a aproveitar-se das necessidades materiais dos agregados familiares urbanos, como um meio para lhes exigir a total dedicação ao trabalho, pelas remunerações, mesmo sendo precárias. proporcionais à produtividade. O próprio operário acaba por substituir os tempos de lazer por outras ocupações, materialmente rentáveis, o que demonstra o quanto era comum que o indivíduo tivesse mais do que um emprego. Por isso, o trabalho racional evidencia uma tendência para se tornar num trabalho alienante ao transformar o Homem para um escravo da actividade profissional e dos valores materiais.
Consequentemente, as transformações da vida humana englobam igualmente os comportamentos inéditos, pois a vida urbana é fortemente caracterizada pela despersonalização dos comportamentos, dado que a estandardização do trabalho exigira a estandardização do quotidiano do operário. Por isso, a cultura do lazer torna-se numa das tantas novidades da nova sociabilidade urbana. Para ocuparem os tempos livres, os espaços públicos proliferam efectivamente, como os cafés, as esplanadas, os jardins, os clubes recreativos, salões de baile, cinemas e, por último, os recintos desportivos. As populações não estavam minimamente importadas com os tradicionais constrangimentos sociais. Queriam viver intensa e freneticamente, aproveitar todo o tempo disponível ao máximo! Daí que se caracterizem os anos 20 como "Loucos" ou como "Ruidosos", dado o aparecimento de novos desportos relacionados com a velocidades, novos divertimentos, procurados por uma libertina e independente juventude. É a altura da moda, brutalmente vivida pelo sexo feminino, cada vez mais emancipado.
Finaliza-se esta década com a mudança de conceito familiar. Dão-se profundas alterações na moral familiar, graças à independência dos jovens casais e à crescebte naterialização, já aqui referida. O casamento por contacto extingue-se e nasce o casamento por amor e, devido à regulamentação do divórcio - que derivou da Laicização do Estado de alguns países, como  Portugal fez em 1911. Por outro lado, a sexualidade perde o estigma da sua função reprodutora, pela divulgação dos métodos de controlo da natalidade - os contraceptivos. Por isso, constata-se uma forte diminuição da taxa de natalidade, que se deveu também ao facto de a mulher agora se ausentar do lar e também ao custos em criar os filhos em concordância com prática de uma procriação responsável - mais assumida pelos casais.


Excerto da "Ode Triunfal", Álvaro de Campos - heterónimo de Fernando Pessoa
À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!
Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical --
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força --
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,
Átomos que hão de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,
Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes,
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.
Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!
Fraternidade com todas as dinâmicas!
Promíscua fúria de ser parte-agente
Do rodar férreo e cosmopolita
Dos comboios estrénuos,
Da faina transportadora-de-cargas dos navios,
Do giro lúbrico e lento dos guindastes,
Do tumulto disciplinado das fábricas,
E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão!


Aqui, o leitor consegue visualizar o quotidiano típico dos anos 20




Com estes dois vídeos, o leitor visualiza melhor a diferença na urbanização





Este trabalho foi realizado por: Joana Oliveira

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